Arquivo do blog

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A magia que se anunciava - Éllen Santa Rosa

 


A magia que se anunciava!

Éllen Santa Rosa

 

O Natal ia chegando devagarinho. Feito brisa de final de tarde, anunciando uma noite fresca e  estrelada. A sensação de que o ano estava terminando dava a todos uma expectativa de recomeço e de esperança. Era como se estrelas piscassem em todos os lugares.

Não era só pelo alívio de vencer mais um ano.

Era pela magia que se anunciava.

Já era final de novembro e as casas se arrumavam para esperá-lo com o presépio. Feito na entrada da casa, na primeira sala, em destaque. Grande, do chão até o teto. No dia anterior, as pedras da gruta eram feitas com jornais amassados e pintados com carvão, socado no pilão até virar uma moinha, que misturada  à água e cola virava tinta preta.  Formavam pedras de vários  tamanhos, que se amontoavam entre os vasos de  plantas mais bonitas da casa. Espécies como comigo-ninguém-pode e espada-de-São-Jorge não poderiam faltar. Também os vasinhos de arroz eram tradição, plantado e regado  dias antes, para compor a ornamentação.

Não era só pela tradição.

Era pela magia que se anunciava.

As imagens representando as personagens da história universal eram tiradas cuidadosamente da frasqueira da família e colocadas uma a uma na manjedoura de caixa de papelão, menos o menino, que só deveria ser exposto na noite do seu nascimento,  sob o olhar encantado e respeitoso de todos. Enquanto isso, fatos eram relembrados e recontados pelas pessoas mais experientes da casa, até que  perguntas e mais perguntas ressoavam ao redor daquela fazedura toda. As crianças queriam saber sobre uma certa estrela, se existe até hoje; por que foram dados presentes tão diferentes ao menino  ou ainda por que ninguém deu  hospedagem para aquela família... E entre uma resposta e outra que gerava mais perguntas, os mistérios que envolviam a narrativa aumentavam e encantavam.   

Não era só pelas respostas. Ou perguntas.

Mas pela magia que se anunciava.

E a sala aos poucos se modificava. Já não cabia todos os móveis, que cediam espaço para aquela cena, companheira da família todo final  de  ano. Com o presépio montado, era hora de buscar o lírio do brejo na “biquinha” e na “passaginha”, locais onde os moradores pegavam água, lavavam vasilhas e roupas. Nessa época, lá ficava  cheio deles.  O cheiro da flor branca inundava a casa e ficava verdinho durante todo o tempo em que  o presépio ficasse montado. Até o Dia de Reis,  seis de  janeiro, quando  eram desmontados.

Não era só pelo perfume ou beleza.

Mas pela magia que se anunciava.

E até a noite de Natal o presépio  era visitado e admirado pelos vizinhos, que também armavam os seus nas suas casas e, sob a luz de velas e muita animação,  recebiam os moradores da rua  para a reza da  novena, possibilitando assim, a alegria da troca de bons fluidos,  belas palavras, expectativas, planos. A dúvida se os foliões passariam na noite de Natal naquele ano era sempre levantada, embora os sacos de biscoitos feitos no forno a lenha na despensa de todos,  e as garrafas de vinho confirmassem a fé na cantoria, que quase nunca decepcionava. Isso porque eles cantavam durante vários dias, mas a noite de Natal era muito especial e esperada por todos. Era sempre uma bênção recebê-los naquela data.

Não era só pelos vizinhos. Ou pelos foliões.

Mas pela magia que se anunciava.

Depois da reza e de colocar o menino na manjedoura, a espera pelos cantadores do presépio mantinha todos acordados, na expectativa. A calçada era  palco para a contemplação do céu escuro e estrelado. O certo é que tinha sempre alguém procurando a estrela guia. E iluminados pelas  três marias,  pelo  cruzeiro do sul ou pela estrela Dalva, pastores e reis magos renasciam nas casas, nas famílias,  querendo dar o seu melhor presente para aquele menino tão especial, que nascia  em cada pessoa.

Não era só pela estrela.

Mas pela magia que se anunciava.

E assim, nesse clima de êxtase e nostalgia, os sons dos foliões se aproximando provocava uma euforia inigualável!  Todos abriam alas para que eles ocupassem o melhor espaço na sala. E das janelas, portas, frestas, olhos e ouvidos contemplavam a oração cantada e dançada saudando o menino aniversariante. Muitas vezes, as vozes dos cantadores se misturavam e ninguém entendia as palavras. Mas nem precisava. Todos sentiam. Era muita emoção fazer parte daquele momento, que terminava com  saudações, despedidas e promessas de retorno no próximo ano.

Não era só pela cantoria.

 Mas pela magia que se anunciava.

A espera pelo final da noite de  Natal enchia de  estrelas o estômago das crianças: o sapatinho ou chinelo atrás da porta indicava a esperança de que Papai Noel passasse e deixasse um presente. Ninguém questionava por onde ele iria entrar. Isso não era problema, afinal, as  casas eram de telhado. Mas por via das dúvidas, a mãe sempre deixava uma janela destramelada, dando uma piscadela para os filhos. E a imaginação corria solta! Difícil era pegar no sono. Mas criança sabida sabia que Papai Noel só passava depois que ela dormisse!  E assim, todos fechavam os olhos e ninguém via nada...

Mas não era só pelo presente.

Mas pela magia que se anunciava.

No dia seguinte, era difícil descobrir quem acordou primeiro! Era uma gritaria só, enquanto a corrida pela procura das portas acontecia sob o olhar carinhoso dos pais. Pacotes e mais pacotes, abertos avidamente pelas mãos de crianças sonhadoras... Qualquer presente: grande, pequeno, simples, luxuoso...tudo era valioso.  O importante era dar, para que as crianças, felizes ao receber,  aprendessem também a  alegria de partilhar...

Não era pelo que davam, ou recebiam.

Mas pela magia que se anunciava.

E assim, devagarinho como chegou, o Natal ia saindo, de mansinho. O presépio era desmontado, os móveis voltavam para o lugar. Mas os corações não eram mais  os mesmos. Renovados! Cheios de esperança e paz. Parecia até que tinham renascido para a beleza da vida. E assim, iniciava-se um novo ciclo, uma nova contagem regressiva para que o Natal chegasse de novo!

Não era só pela chegada do Natal.

Mas pela magia que se anunciava...

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário