A magia que se
anunciava!
Éllen Santa Rosa
O Natal ia
chegando devagarinho. Feito brisa de final de tarde, anunciando uma noite
fresca e estrelada. A sensação de que o
ano estava terminando dava a todos uma expectativa de recomeço e de esperança.
Era como se estrelas piscassem em todos os lugares.
Não era só pelo alívio de vencer
mais um ano.
Era pela magia que se anunciava.
Já era final
de novembro e as casas se arrumavam para esperá-lo com o presépio. Feito na
entrada da casa, na primeira sala, em destaque. Grande, do chão até o teto. No
dia anterior, as pedras da gruta eram feitas com jornais amassados e pintados
com carvão, socado no pilão até virar uma moinha, que misturada à água e cola virava tinta preta. Formavam pedras de vários tamanhos, que se amontoavam entre os vasos
de plantas mais bonitas da casa. Espécies
como comigo-ninguém-pode e espada-de-São-Jorge não poderiam faltar. Também os
vasinhos de arroz eram tradição, plantado e regado dias antes, para compor a ornamentação.
Não era só pela tradição.
Era pela magia que se anunciava.
As imagens
representando as personagens da história universal eram tiradas cuidadosamente
da frasqueira da família e colocadas uma a uma na manjedoura de caixa de
papelão, menos o menino, que só deveria ser exposto na noite do seu nascimento,
sob o olhar encantado e respeitoso de
todos. Enquanto isso, fatos eram relembrados e recontados pelas pessoas mais
experientes da casa, até que perguntas e
mais perguntas ressoavam ao redor daquela fazedura toda. As crianças queriam
saber sobre uma certa estrela, se existe até hoje; por que foram dados presentes
tão diferentes ao menino ou ainda por
que ninguém deu hospedagem para aquela
família... E entre uma resposta e outra que gerava mais perguntas, os mistérios
que envolviam a narrativa aumentavam e encantavam.
Não era só pelas respostas. Ou
perguntas.
Mas pela magia que se anunciava.
E a sala aos
poucos se modificava. Já não cabia todos os móveis, que cediam espaço para
aquela cena, companheira da família todo final de ano.
Com o presépio montado, era hora de buscar o lírio do brejo na “biquinha” e na “passaginha”,
locais onde os moradores pegavam água, lavavam vasilhas e roupas. Nessa época,
lá ficava cheio deles. O cheiro da flor branca inundava a casa e
ficava verdinho durante todo o tempo em que o presépio ficasse montado. Até o Dia de Reis,
seis de janeiro, quando eram desmontados.
Não era só pelo perfume ou beleza.
Mas pela magia que se anunciava.
E até a noite
de Natal o presépio era visitado e
admirado pelos vizinhos, que também armavam os seus nas suas casas e, sob a luz
de velas e muita animação, recebiam os moradores
da rua para a reza da novena, possibilitando assim, a alegria da
troca de bons fluidos, belas palavras,
expectativas, planos. A dúvida se os foliões passariam na noite de Natal naquele
ano era sempre levantada, embora os sacos de biscoitos feitos no forno a lenha
na despensa de todos, e as garrafas de
vinho confirmassem a fé na cantoria, que quase nunca decepcionava. Isso porque eles
cantavam durante vários dias, mas a noite de Natal era muito especial e
esperada por todos. Era sempre uma bênção recebê-los naquela data.
Não era só pelos vizinhos. Ou
pelos foliões.
Mas pela magia que se anunciava.
Depois da reza
e de colocar o menino na manjedoura, a espera pelos cantadores do presépio
mantinha todos acordados, na expectativa. A calçada era palco para a contemplação do céu escuro e
estrelado. O certo é que tinha sempre alguém procurando a estrela guia. E
iluminados pelas três marias, pelo
cruzeiro do sul ou pela estrela Dalva, pastores e reis magos renasciam
nas casas, nas famílias, querendo dar o
seu melhor presente para aquele menino tão especial, que nascia em cada pessoa.
Não era só pela estrela.
Mas pela magia que se anunciava.
E assim, nesse
clima de êxtase e nostalgia, os sons dos foliões se aproximando provocava uma euforia
inigualável! Todos abriam alas para que
eles ocupassem o melhor espaço na sala. E das janelas, portas, frestas, olhos e
ouvidos contemplavam a oração cantada e dançada saudando o menino
aniversariante. Muitas vezes, as vozes dos cantadores se misturavam e ninguém
entendia as palavras. Mas nem precisava. Todos sentiam. Era muita emoção fazer
parte daquele momento, que terminava com
saudações, despedidas e promessas de retorno no próximo ano.
Não era só pela cantoria.
Mas pela magia que se anunciava.
A espera pelo
final da noite de Natal enchia de estrelas o estômago das crianças: o sapatinho
ou chinelo atrás da porta indicava a esperança de que Papai Noel passasse e
deixasse um presente. Ninguém questionava por onde ele iria entrar. Isso não
era problema, afinal, as casas eram de
telhado. Mas por via das dúvidas, a mãe sempre deixava uma janela destramelada,
dando uma piscadela para os filhos. E a imaginação corria solta! Difícil era
pegar no sono. Mas criança sabida sabia que Papai Noel só passava depois que
ela dormisse! E assim, todos fechavam os
olhos e ninguém via nada...
Mas não era só pelo presente.
Mas pela magia que se anunciava.
No dia
seguinte, era difícil descobrir quem acordou primeiro! Era uma gritaria só,
enquanto a corrida pela procura das portas acontecia sob o olhar carinhoso dos
pais. Pacotes e mais pacotes, abertos avidamente pelas mãos de crianças
sonhadoras... Qualquer presente: grande, pequeno, simples, luxuoso...tudo era
valioso. O importante era dar, para que as
crianças, felizes ao receber,
aprendessem também a alegria de partilhar...
Não era pelo que davam, ou
recebiam.
Mas pela magia que se anunciava.
E assim, devagarinho como chegou,
o Natal ia saindo, de mansinho. O presépio era desmontado, os móveis voltavam
para o lugar. Mas os corações não eram mais
os mesmos. Renovados! Cheios de esperança e paz. Parecia até que tinham
renascido para a beleza da vida. E assim, iniciava-se um novo ciclo, uma nova
contagem regressiva para que o Natal chegasse de novo!
Não era só pela chegada do Natal.
Mas pela magia que se anunciava...
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